5.3. DIFICULDADES DE CONVÍVIO¶
Diz o ditado que não existe almoço grátis. Não é diferente para o caso das árvores no ambiente urbano. Sim, elas trazem muitos benefícios e são fundamentais, mas tem um preço. E para que esse preço seja o mais baixo possível é preciso investimento em gestão, manejo e participação social. É preciso também conhecimento acerca dos equipamentos urbanos (i.e., drenagem, arruamento, distribuição de energia, etc.) e de como estes se relacionam com a arborização. Veremos isso quando tratarmos do planejamento e da gestão da arborização urbana para reduzir todos os custos possíveis associados a ela. Por hora vejamos o que não queremos que ocorra:
LEMBRE-SE DISSO:
DIFICULDADES DE CONVÍVIO COM AS ÁRVORES
- Quebra e queda de galhos
- Quebra ou queda da árvore
- Danos à fiação
- Danos às edificações
- Sujeira (queda de folhas, flores, frutos)
- Excesso de animais indesejados
- Excesso de sombra
- Danos ao calçamento
- Conflitos com o trânsito
- Conflitos com publicidade
- Locais para se esconder
5.3.1. Quebra e queda de galhos¶
Existem diversos motivos para uma árvore perder galhos, seja pela queda natural destes galhos, ou pela quebra destes com os ventos. Vejamos alguns fatores.
5.3.1.1. Rescindência metabólica natural¶
Primeiro é preciso lembrar que a árvore apresenta um padrão de crescimento, isto é, seu biotipo. Dependendo da espécie, faz parte do ciclo natural da árvore perder folhas e galhos. Afinal, é um vegetal, um ser vivo em desenvolvimento, em busca do equilíbrio metabólico nos diferentes estágios de sua vida. Se quisermos viver na presença de árvores temos que ter um pouco de consideração com as necessidades fisiológicas delas também. Então, algumas árvores perderão seus galhos naturalmente porque durante o crescimento aquele galho acabou não sendo mais energeticamente vantajoso. Isso é fácil de observar em árvores que crescem saudavelmente. A copa fica frondosa. Alguns galhos se sobressaem mais do que outros e assim aqueles que não vingaram (geralmente internos à copa), rescindem e morrem. Se não for feito o manejo antecipado, isto é, se não nos atermos a isso e não tirarmos o galho antes que ele caia inesperadamente, ele vai quebrar e cair. É simples assim.
5.3.1.2. Manejo mal feito¶
Talvez um dos principais motivos pelos quais árvores urbanas quebram seus galhos durante ventanias se dá em função do planejamento mal feito que acaba por impor manejo mal feito. Isso impõe sobre as árvores stress desnecessário. Há uma infinidade de exemplos de podas excessivas, especialmente aquelas de rebaixamento de copa, ou podas radicais que simplesmente deixam apenas o caule principal em brotamento. Esse tipo de manejo leva a um brotamento rápido estimulado pelas raízes que também precisam se alimentar dos produtos oriundos do serviço que só as folhas conseguem fazer (fotossíntese). Por essa via, os brotamentos competem entre si formando múltiplos galhos fracos sem qualquer dominância. Isto é, acabam por não adquirir liderança na copa e não crescem estruturalmente com a resistência necessária. Além desse tipo de copa ficar esteticamente horrorosa.
Não há muito o que fazer nessas situações, especialmente se a fiação não for adequada. Para tanto, o melhor investimento acaba sendo a substituição das árvores por espécies de pequeno porte e de fácil manejo.
5.3.1.3. Força dos ventos¶
Vimos na seção dos benefícios da arborização urbana que as árvores também nos protegem da força dos ventos. Ora, como você acha que elas fazem isso? Absorvendo a energia do vento. No entanto, algumas vezes ocorrerá que os galhos não aguentam o arrasto causado pela copa. Isso depende muito da espécie, do estado em que se encontra o galho e a copa em questão, e é claro, da força do vento. Via de regra em vendavais não é recomendável deixar o seu carro estacionado embaixo de árvores cuja copa apresenta poder de arrasto considerável e se encontra plenamente exposta aos ventos, especialmente se ela apresentar sinas de saúde precária. Esse é mais um motivo pelo qual é fundamental ter uma equipe de arborização urbana constantemente se atualizando quanto ao estado fitossanitário das árvores em áreas de domínio público, e também é um motivo para adensarmos as cidades com arborização ao invés de eliminarmos as árvores, pois uma ajuda a outra a enfraquecer os ventos.
5.3.2. Quebra e queda da árvore¶
Uma coisa são galhos quebrando e caindo das alturas. Outra bem diferente é a árvore inteira caindo ou quebrando. E isso acontece também com árvores saudáveis, porém geralmente em situações muito extremas.
5.3.2.1. Árvores plenamente expostas¶
Dependendo da árvore e do local em que se encontra, ela precisará ser surpreendentemente forte para resistir a rajadas de ventos de mais de 100km/hr, por exemplo. Isso pode acontecer em choques de grandes massas de ar (fria e quente), na linha de frente do temporal. A rajada certa, no lugar certo, na árvore certa poderá derrubar a árvore toda ou até quebrá-la no seu caule dominante, se a copa estiver com arrasto para tanto. Por isso o planejamento e a boa gestão da arborização urbana são fundamentais. Essa situação se agrava muito para árvores que se encontram com sua saúde comprometida. Seria o mesmo que dar uma rasteira em alguém que já está de muletas. Portanto mais uma vez aqui, o segredo de um bom convívio é um bom planejamento e um bom acompanhamento do desenvolvimento da árvore.
5.3.2.2. Árvores em solo inadequado¶
Embora de difícil detecção, ocorrem situações em que as árvores não desenvolveram um sistema radicular forte e profundo o suficiente para se sustentarem sobre o solo durante uma ventania extrema. Nesses casos a árvore pode não quebrar, mas simplesmente cair ou tombar por completo, levantando a camada de solo junto com suas raízes. Em diagnósticos de árvores urbanas é comum observar o estado do solo em torno do caule. Esse levantamento as vezes pode ser visível. Isso também ocorre em função da competição por espaço que há no subsolo entre raízes e estruturas enterradas (e.g., meio-fio, sistemas de drenagem, solo compactado, pavimentação, rochas, resíduos ou solo inapropriado para o crescimento das raízes, etc.). Para o bom convívio com as árvores, é fundamental que se pense nas necessidades destas, especialmente das partes invisíveis (as raízes).
5.3.2.3 Mais uma vez a força dos ventos¶
Para derrubar uma árvore o vento precisa ser muito forte ou as condições em que se encontram a árvore ou seu ambiente muito ruins. Se o solo for muito raso e a árvore estiver com a saúde comprometida, carregada de biomassa de parasitas ou lianas, ou ainda com o caule apresentando deterioração (i.e., oco), entre outros fatores, sim, o vento poderá derrubar a árvore. Mas de modo geral, são eventos relativamente raros. Para constatar isso basta observarmos a quantidade de árvores que permanecem perfeitamente íntegras após os temporais. São ventos extremos em condições ambientais e botânicas específicas que podem causar danos extremos. Por isso, no balanço que fizemos entre os custos e os benefícios de se manter a arborização urbana, precisamos considerar o tempo que recebemos os benefícios com o tempo que ocorrem os prejuízos. Acima de tudo, é preciso acompanharmos o desenvolvimento das árvores e seu comportamento durante as ventanias para anteciparmos manejos necessários.
De qualquer forma, uma boa manutenção periódica também diminui significativamente os riscos de sinistros ocasionados por árvores. Isso precisa ser levado em consideração durante o planejamento. Por exemplo, para árvores patrimoniais, isto é, aquelas imensas cuja remoção comprometeria severamente o ambiente, há que se investir em diagnósticos mais avançados como a resistografia e a tomografia. Veremos mais sobre isso quando falarmos dos cuidados.
5.3.3. Danos na fiação¶
As redes de distribuição de energia e telecomunicação são um dos fatores que mais conflituam com a copa das árvores. Aliás, essas redes conflituam com elas mesmas. É uma característica comum o emaranhado de fios nas cidades brasileiras. Dada a importância dada à energia elétrica e à comunicação para os seres humanos, e a não-importância dada ao oxigênio para a mesma espécie, é natural que se priorizem os fios.
Mas se os fios são tão importantes, é preciso se perguntar o que uma árvore imensa de copa extremamente ramificada, que balança tudo com a menor briza, está fazendo debaixo dos fios, ou com sua copa por sobre os fios. Mais uma vez aqui a estratégia de convívio é primarmos por um bom planejamento e uma boa manutenção. No entanto isso não significa que nao possam existir árvores embaixo ou acima de fios, até porque, como vimos acima, não são só árvores que podem causar danos à fiação. Vejamos o que pode ser feito.
5.3.3.1. Espécies adequadas¶
Existem muitas árvores de pequeno porte, crescimento lento, e fácil manejo que contribuem significativamente para a paisagem urbana. Portanto há que se pensar na seleção das espécies mais adequadas para cada local. Além disso o manejo bem feito, isto é a condução adequada das copas pode inclusive habilitar árvores maiores ao convívio com a fiação.
5.3.3.2. Fiação adequada¶
Dependendo do investimento, ou do patrimônio urbano-florestal existente, isto é, das árvores nas calçadas e praças, justifica-se maior investimento na fiação, empregando redes isoladas, compactas, que reduzem substancialmente a interação com as copas. É preciso lembrar que árvores, em sua maioria, são seres vivos de ampla longevidade, e quanto mais durarem, mais tempo de serviços ambientais, de benefícios à comunidade terão exercido. Além disso é muito mais fácil e seguro trocar a fiação do que trocar as árvores, já que fios não tem processos metabólicos, não tem fisiologia. Cortar as árvores tem um custo que também se estende ao longo do tempo, tempo este que leva uma muda arbórea para crescer e chegar ao porte daquela que foi cortada.
5.3.3.3. Manejo adequado¶
Se a espécie de árvore e/ou o tipo de fiação não são os ideias, apenas o manejo bem feito pode salvar a situação. Nesse caso há que se cuidar para executar uma boa poda de afastamento da fiação, ou mesmo substituir a árvore por completo. Esse assunto será visto detalhadamente mais adiante.
5.3.4. Danos nas edificações¶
É comum a solicitação de autorização de serviços de poda nos municípios devido aos danos que o caule ou os galhos das árvores podem causar nas paredes dos prédios, sacadas, janelas, telhados, ou quaisquer estruturas que possam estar em contato com o caule ou os galhos, tanto ao longo do tempo como na hora da ventania. para estes casos, tomam-se medidas criativas, faz-se poda de afastamento predial, ou ainda outras alternativas como veremos mais adiante na seção 7.4. Como podar árvores na cidade.
5.3.5. Sujeira¶
Os seres vivos em geral tem essa natureza (considere os seres humanos, por exemplo). Na verdade, a sujeira é um conceito subjetivo, tal qual a beleza. Sem entrar no mérito filosófico da questão, vamos considerar que, da mesma forma que nossos queridos cães e gatos podem fazer sujeira, também o farão as árvores. Da mesma forma que tratamos a sujeira causada por cães e gatos, trataremos a sujeira das árvores. Ou seja, não são as árvores o problema, mas a necessidade de cuidados, de limpeza e manutenção. Quando calhas de telhados enormes (galpões industriais, por exemplo) se enchem de folhas e bloqueiam a drenagem de toda a água que estas estruturas captam durante chuvas torrenciais, o desastre pode ser enorme com danos e perdas expressivas quando a água acaba por encharcar máquinas e equipamentos eletro-eletrônicos caríssimos. Contrário ao senso comum, isso mostra a importância de se limpar as calhas, e não a necessidade de se cortarem as árvores.
Não obstante, vimos ainda que as árvore purificam o ar cumulando poeira na superfície foliar. Engenheiros e arquitetos precisam projetar suas edificações de forma a considerar as necessidades de manutenção, inclusive esta necessidade de desobstruir os sistemas de drenagem.
5.3.6 Excesso de aves e outros animais¶
De fato vimos entre os Benefícios da Arborização que as árvores são fundamentais para proteção da biodiversidade. Ocorre que as vezes a população de determinados animais alcança números que começam a trazer problemas sanitários. Por exemplo, em Três Coroas existe uma população de garças-vaqueiras (Egretta thula) que se estabeleceu na copa das árvores que estão na faixa de domínio da área de preservação permanente do Rio Paranhana, no centro da cidade. É um atrativo turístico, mas dependendo de onde fazem seus ninhos, o resultado é um lastimável problema sanitário. O calçamento do passeio público fica coberto de guano. Filhotes que caem ou elas próprias derrubam do ninho apodrecem junto deste guano. Em dias quentes o cheiro é insuportável. Além disso a atmosfera mas próxima da área fica coberta de poeira e penas. No guano podem se estabelecer fungos cujos esporos podem causar problemas respiratórios graves. Eis aí uma situação que requer manejo.
Outros casos semelhantes com outras aves já foi reportado, e qualquer um que tenha estacionado seu carro embaixo de uma dessas árvores ocupadas por milhares de passarinhos de alguma espécie reconhece o erro.
Mas há outros casos de proliferação de lagartas, abelhas, mosquitos e moscas (i.e., em árvores frutíferas). Quaisquer que sejam as espécies associadas à árvore ou às árvores em questão, o importante é um bom monitoramento seguido de investimentos com manejo. Lembremos dos benefícios que as mesmas árvores estão trazendo para a cadeia ecológica e para a cidade.
5.3.7. Excesso de sombra¶
Dependendo da espécie arbórea, a copa pode ser mais ou menos densa, isto é, com maior ou menor ramificação e folhagem. Dependendo ainda do local em que se encontram e do que se deseja no seu entorno (e.g., bancos, ajardinamento, horta, etc.) o excesso de sombra pode ser impeditivo ou incompatível com outras atividades. Mais uma vez é o caso de planejar bem a espécie a plantar e o tipo de manejo a ser realizado. O excesso de sombra raramente justifica o corte (supressão da árvore).
5.3.8. Danos no calçamento¶
Existem diferentes tipos de árvores com diferentes tipos de raízes. A fim de que a árvore possa contar com o sistema estrutural necessário para manter-se firme em crescimento ela também promoverá o crescimento de suas raízes. Por isso a escolha da espécie certa para o lugar certo é fundamental, até porque para uma árvore crescer e levantar a calçada, passam-se muitos anos. Então, há que se balancear mais uma vez as perdas e ganhos antes de se realizar o corte destes exemplares. Em muitos casos é possível adaptar o passeio público inclusive com a construção de bancos ou estruturas de descanso para os pedestres.
De modo geral, quaisquer árvores de grande porte poderão causar danos na pavimentação das calçadas simplesmente pelo espeçamento do colo do caule (aquela parte entre o início das raízes e do caule). Isso é normal, e por isso, as árvores que escolhermos deixar crescerem por muito tempo devem ser aquelas localizadas em calçadas largas que poderão ser reparadas com estruturas de remediação (e.g. bancos, canteiros, cercados...).
5.3.9. Conflitos com o trânsito¶
Já foi visto em alguns caminhões de transportadoras bem estabelecidas no mercado a seguinte frase:
"50 anos desviando
de árvores"
Poucas pessoas sabem, mas aqueles motoristas de caminhões que precisam fazer entregas em cidades que as árvores atrapalham, e muito. De fato, é para isto que existe uma modalidade de manejo chamada de poda por levantamento de copa. Ao planejar a arborização urbana e os serviços de manejo, é preciso ter esse olhar de motorista, seja de ônibus, caminhão, moto, ou carro de passeio. Para manter as árvores no exercício de suas funções mais benéficas ao ambiente urbano, há que se pensar na compatibilidade com o trânsito de veículos diferentes, pedestres e ciclistas também.
Exemplos como este visto acima são abundantes nos municípios da região. Depois da poda anual de rebaixamento de copa para evitar riscos com a fiação, e maior demanda por manejo é justamente este tipo de poda (elevação da copa).
5.3.10. Conflitos com placas de trânsito e de publicidade¶
Sim, por incrível que pareça, como se não bastasse o universo constante de publicidade das redes sociais, considerado hoje uma verdadeira economia obcecada pela atenção do consumidor, temos que encontrar espaço também para placas, monitores, outdoors, faixas que promovem produtos, serviços, marcas, etc. E para tanto, as árvores não podem estar no caminho dessa visibilidade imprescindível à economia da atenção.
Algumas vezes o manejo é possível e não compromete significativamente a longevidade ou estética da árvore. Outras, a placa precisará mudar de lugar. No entanto, ocorre que algumas vezes as árvores também cobrem a sinalização de trânsito, casos estes que também apontam para a falta de manejo.
Sugere-se aqui que os municípios regrem localmente este aspecto do compartilhamento do território e seus recursos, especificando claramente os critérios que são considerados justificativas plausíveis para a remoção ou manejo de árvores. Esse tópico será visto quando tratarmos do Plano Municipal de Arborização Urbana.
5.3.11. Lugar para se esconder¶
Para as crianças e os adolescentes, essa função divertida que as árvores também cumprem não tem conflito algum. Mas embora possa parecer inusitado, uma das justificativas que aparecem nas solicitações de corte de árvores em ambiente urbano é este: as árvores são utilizadas por pessoas indesejadas, para se esconderem, congregarem, ou seja lá o que possam estar fazendo embaixo delas. Ora, naturalmente não iremos cortar árvores com essa justificativa. O problema não são as árvores. Sejamos criativos e pensemos em soluções melhores para resolução destes conflitos.
5.3.12. Falta de árvores¶
Conviver com a falta de árvores também e um exemplo reverso de dificuldades de convívio com a arborização urbana, isso porque sem árvores ficamos sem os benefícios que estas propiciam. A falta de árvores é mais sentida no verão, mas dependendo do local, outras carências são imediatas (e.g., abafamento do barulho do trânsito). Além disso, há uma carência sutil; a do bem estar. Não sabemos exatamente porque sentimos a falta de árvores quando estamos numa cidade desprovida de arborização. Da mesma forma, nos sentimos bem ao visitarmos parques e praças nestas mesmas cidades.