5.4. ÁRVORES SÃO SERES VIVOS¶
É óbvio. Mas por incrível que possa parecer, como elas ficam ali paradas na calçada, sem fazer barulho por si só, sem se mexer por si só, temos a tendência a tratá-las como tocos, paus, toras, madeira, ou qualquer coisa menos um ser vivo que nesse momento está respirando, tomando água, transpirando, se alimentando, crescendo, se defendendo de perturbações ambientais e cumprindo todas as funções de seu metabolismo.
Se você é uma das tantas pessoas que não se lembra comumente disso, pare por alguns segundos em frente a uma árvore, qualquer uma: olhe para essa árvore e imagine a vida que está nesse momento acontecendo ali, por dentro e por fora dela. Quando chegar o momento de considerar seu manejo (i.e., poda, corte, cuidados), essa reflexão será fundamental.
5.4.1. Que tipo de seres vivos são as árvores¶
As árvores são vegetais que desenvolveram sistemas estruturais (e.g., fibras) para alcançarem altura em busca de mais luz, sem se apoiar em nada. Ou seja não são como as lianas (i.e., plantas que sobem outras plantas sem formar caule espesso, com o mínimo de crescimento radial). À bem da verdade, o alimento dos seres vivos que realizam fotossíntese é o sol, ou melhor, a energia solar. As árvores são vegetais, logo são seres fotossintetizantes e portanto também se alimentam da energia solar.
Explico: o único motivo pelo qual eu e você vamos almoçar algum alimento hoje é porque precisamos da energia armazenada neste alimento. Enquanto os animais obtém energia a partir da digestão, os vegetais obtém energia capturando-a do sol e estocando-á em seu organismo (i.e. nas raízes, caule, frutos, folhas). Para fazer isso as plantas utilizam gás-carbônico que absorveram da atmosfera e água que absorveram do solo. Ou seja, enquanto a planta bebe, também absorve gás-carbônico, armazena energia e se alimenta ao mesmo tempo. Naturalmente para tudo isso acontecer ela se utiliza também de nutrientes que estão disponíveis no solo (mas em menor proporção do que o carbono e o oxigênio do ar). E é por isso que acabamos achando que o alimento das plantas está no solo. Para entender melhor, comparando ao que nós nos alimentamos como seres humanos, os nutrientes do solo são as vitaminas para as árvores (essenciais em menor quantidade), e à energia solar é o pão que a árvore se alimenta. Incrível, não?
Tudo isso foi dito para você entender que elas precisam de luz solar, de água, de gás-carbônico e de solo fértil. Será importante lembrar disso mais adiante quando falarmos das relações das árvores com o local onde foram plantadas (e.g., danos aos sistemas de drenagem, danos aos sistemas de distribuição de rede elétrica ou de telecomunicação, interação com outras árvores, crescimento e morte de galhos no interior da copa, etc.).
5.4.2. O crescimento das árvores¶
Vimos acima como as árvores se alimentam. Precisamos entender também como as árvores crescem e porque, para depois planejarmos adequadamente o manejo (poda) e como este provoca na árvore o brotamento entre outras respostas metabólicas.
5.4.2.1. Crescimento simpodial e monopodial¶
Então, as árvores crescem porque está programado no DNA delas, assim como no nosso DNA. E elas fazem isso para chegar à idade adulta e se reproduzirem. Como se alimentam de luz solar, de modo geral, quanto mais altas puderem chegar, melhor. Claro que existem árvores de sombra, cujo metabolismo é diferente daquelas de pleno sol. Mas de modo geral, as árvores são espécies que precisam de muita luz, do contrário o crescimento fica severamente comprometido e lento, apesar de muitas vezes a árvore conseguir se manter à espera de uma "clareira" na floresta para se estabelecer e se reproduzir.
Como a tendência é crescerem em altura e como não são trepadeiras (i.e., lianas), precisam também considerar o sistema estrutural que irá sustentá-las de pé, isto é, o caule. Esse equilíbrio entre altura e espessura depende muito da genética molecular de cada árvore e do local onde ela estiver crescendo. Por isso existem árvores mais quebradiças que outras, madeiras mais densas que outras, e padrões de ramificação diferenciados. Tudo depende do histórico evolutivo de cada espécie.
Existem dois padrões de crescimento, ou sistemas caulinares, bem distintos nas árvores (e nas plantas em geral), o simpodial e o monopodial que dependem de onde emerge a brotação nas árvores. Não iremos nos aprofundar nisso aqui no momento, mas o que é preciso saber é que algumas árvores possuem apenas uma terminação de crescimento no topo da copa e estas árvores NÃO PODEM SER PODADAS, sob risco de assassinar a árvore (e.g., palmeiras, araucárias). Para nós, arboristas, é muito importante considerar o fator estrutural aliado ao padrão de crescimento quando considerarmos a localização e o manejo de uma determinada árvore no espaço urbano.
IMPORTANTE
Árvores de crescimento monopodial não devem ter suas copas rebaixadas, isto é, serem podadas no topo, dado que isto remove a gema apical (ponto de crescimento longitudinal da árvore) comprometendo severamente seu desenvolvimento. Há casos em que a árvore resiste, mas o brotamento compromete a estética e cria pontos de ruptura vulneráveis à ventania.
5.4.2.2. Forma específica e forma florestal¶
Além dos padrões de crescimento ou ramificação relacionados à espécie que vimos acima, o meio ambiente é implacável na determinação da forma que a árvore irá adquirir ao longo dos anos. Uma árvore encostada num prédio, tenderá a desenvolver um copa desbalanceada. A árvore que se encontra na borda da mata terá uma relação de diâmetro da copa e altura diferente daquela que cresceu no interior da mata. Por isso dizemos que existem duas formas distintas de crescimento fundamentadas no ambiente: a forma específica e a forma florestal.
Como o próprio nome indica, a forma específica é aquela que a planta adquire "sozinha", livre das condições impostas pelo ambiente florestal, isto é, quanto plantada numa praça, por exemplo, com espaço suficiente para o desenvolvimento da copa sem interferência significativa de árvores vizinhas. Pense específica da espécie, isto é, como ela é, livre, leve e solta. Já a forma florestal diz respeito à árvore que cresce na mata, junto com as outras. Esse ambiente abrigado da luz e dos ventos faz com que as árvores ganhem altura. Logo são árvores proporcionalmente mais altas, com caules mais finos e copas mais estreitas. Para exploração madeireira, por exemplo, os engenheiros buscarão o espaçamento ideal entre as mudas na "floresta" plantada para obter o fuste (tronco) com maior valor comercial, explorando assim esse conceito de forma florestal.
IMPORTANTE
Em novos loteamentos onde antes havia uma floresta, em função do corte de mata que ocorreu para fazer as ruas, é comum encontramos lotes com abundância de árvores na forma florestal. O proprietários que quiserem construir suas casas nestes lotes irão com certeza edificar seu patrimônio ao lado de um risco iminente de prejuízo. Árvores que podem ter passado décadas crescendo abrigadas do vento agora estão altas e plenamente expostas. Estas árvores não terão como desenvolver crescimento radial (espessura) da noite para o dia. Logo, dependendo da força dos ventos, poderão não resistir.
5.4.3. A reprodução e a dispersão das árvores¶
Um dos motivos pelos quais arborizamos as cidades é para deixá-las mais coloridas. As flores são essenciais. Naturalmente no ciclo da vida as flores fertilizadas formarão frutos que atrairão animais que por sua vez dispersarão suas sementes. Portanto, para termos a cidade bonita, temos que conviver com a queda de flores e frutos, com animais que visitam as árvores e com a dispersão das árvores pelo ambiente. É por isso que temos que dar atenção à escolha das espécies para cada local.
Existem espécies muito prolíferas que se dispersarão com muita facilidade tornando-se verdadeiras pragas. São inços do tamanho de árvores. A dispersão dessas espécies arbóreas invasoras não aparece tanto no ambiente urbano, pois o manejo natural de jardins, praças e calçadas com roçadeiras acaba por eliminar as mudas oportunistas junto com as gramíneas e herbáceas que possam estar crescendo em locais indesejados. É no meio rural e inclusive dentro de formações florestais nativas que estas espécies invasoras crescem sem que as percebemos. Nestes ambientes seus filhotes (mudas arbóreas) tornam-se adultos que acabam por espalhar suas proles de forma exponencial. Esse fenômeno é dramático, capaz de desestruturar completamente o ecossistema florestal nativo ou original do local. Além disso, sua proliferação homogeneíza a paisagem.
Para entender isso com a gravidade que está envolvida, faça uma analogia com o seu gramado, isto é, com a grama que você cuida em casa, se você possui gramado. Ao longo dos anos, se você não fizer o manejo das ervas daninhas, se você simplesmente abandonar o seu gramado, as ervas daninhas prevalecerão e com o tempo poderão inclusive substituir completamente o gramado. Imagine agora que o mesmo está acontecendo na floresta a qual, sem manejo, isto é, sem ninguém removendo as espécies invasoras, estas vão se espalhando e dominando o ambiente.
Os exemplos mais característicos da região do pé da serra no RS é o Ligustro (Ligustrum japonicum), a Uva-do-japão (Hovenia dulcis), o Pinheiro-americano (Pinus elliottii), a Amoreira (Morus nigra) e a Canela-da-índia (Cinnamomum verum). Essas espécies não deveriam mais ser plantadas ou mesmo comercializadas se quisermos ter alguma esperança de algum dia alcançarmos algum controle sobre suas populações aqui na região.
IMPORTANTE
Há menos que você seja silvicultor e tenha sua cultura sob controle, não plante árvores de espécies exóticas invasoras em lugar nenhum. Caso contrário você estará ajudando na deterioração da biodiversidade regional.